A confusa questão da sucessão hereditária

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Silvio Ferreira (em 05/12/2018).

Advogado

 

Sem dúvida, os anos transcorridos desde a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei 10.406/2002), ocorrido em 11/01/2003, têm demonstrado que a parte sucessória tornou-se a mais polêmica, discutida e confusa questão deste estatuto, o qual visa regular as relações entre particulares, conforme entendimento da doutrina especializada.

A confusão nasce a partir da alteração pelo legislador da ordem de vocação hereditária, ou seja, a sequência a ser observada no caso de falecimento do autor da herança (falecido) sem deixar testamento, ou mesmo o possuindo, ter herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuge) para que se proceda com a transferência formal dos bens do “de cujus” (falecido) aos herdeiros, encerrando-se com a partilha de bens.

Sabemos que no Código revogado (Código Civil de 1916) a ordem sucessória então vigente, até mesmo assimilado pelo cidadão comum, era a fixada no art. 1603, onde eram chamados para suceder prioritariamente os descendentes do falecido, independentemente do estado civil deste.

Se o falecido era casado, dependendo do regime de bens, era garantido ao cônjuge sobrevivente (supérstite) o usufruto vidual ou o direito real de habitação, conforme art. 1.611, §§1º e 2º, do Código Civil de 1916. Note-se que não estamos tratando da meação do cônjuge, mas exclusivamente dos bens deixados pelo defunto (herança).

Não deixando descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc) eram chamados a suceder os ascendentes do falecido (pais, avós, etc). Na ausência de descendentes e ascendentes, herdava o cônjuge se ao tempo da morte do titular não estava dissolvida a sociedade conjugal, e na hipótese de inexistência deste, a herança transmitia-se aos colaterais até o quarto grau.

Porém, o Novo Código Civil inovou com a ordem da vocação hereditária elevando o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário da pessoa falecida, assim como já eram os ascendentes e descendentes no código revogado. Significa que em algumas condições o cônjuge passou a concorrer diretamente com os descendentes, conforme o art. 1.829, inc. I, do Código Civil de 2002:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.

Os debates na doutrina se acenderam intensamente, buscando o motivo pelo qual o cônjuge havia sido elevado à categoria de herdeiro necessário concorrendo com os descendentes, e na forma como isso poderia refletir na sucessão legítima a partir da livre escolha do regime de bens que regula o casamento, vez que o dispositivo criticado pela maioria é de confusa redação (art. 1.829, inc. I, CC).

É certo que muitas interpretações foram apresentadas ao longo do tempo diante da novidade. Também muitos julgados pelos tribunais do país surgiram com entendimentos diferentes sobre uma mesma questão, acarretando grave insegurança jurídica e lançando dúvidas aos operadores de direito. Principalmente por se tratar de assunto de grande importância na vida quotidiana, com graves reflexos para a entidade familiar e à sociedade como um todo.

A questão central está subordinada ao regime de bens do casamento. Pois segundo o art. 1.829, inc. I, dependendo do regime adotado haverá ou não a concorrência entre cônjuge e descendentes. A saber que o novo Código Civil estabeleceu quatro regimes de bens. São eles: i-) o da separação (convencional ou obrigatória); ii-) o da comunhão parcial; iii-) o da comunhão universal; e inovando, com iv-) o regime da participação final nos aquestos (bens adquiridos na constância da sociedade conjugal).

No regime da comunhão parcial comunicam-se os bens adquiridos de forma onerosa na constância do casamento, pertencendo a ambos os cônjuges, mesmo que adquirido somente em nome de um deles, pois presume-se o esforço comum de ambos, com as exceções previstas em lei (art. 1.659 CCivil 2002).

No regime da comunhão universal, em regra, comunicam-se todos os bens presentes e futuros de titularidade de cada um dos nubentes ao se casarem, assim como suas dívidas passivas, excluindo-se as exceções previstas em lei (art. 1.668 CCivil 2002).

No regime da separação convencional, por livre manifestação da vontade dos nubentes, excluem-se da comunhão os bens pertencentes a cada um deles, portanto, cada qual possuirá um acervo de bens particulares. Então afigura-se importante a noção de bens particulares, como sendo aqueles de propriedade exclusiva de cada um dos cônjuges.

E por fim, o regime inédito da participação final nos aqüestos, onde os bens adquiridos antes do casamento e os bens adquiridos individualmente na constância do casamento permanecem particulares, porém na dissolução da sociedade conjugal declarada pela nulidade do casamento, pela separação, divórcio ou morte de um dos cônjuges aqueles bens adquiridos onerosamente pelo casal na constância do casamento serão partilhados em comum.

Assim, importante a noção de bens particulares como sendo aqueles pertencentes a apenas um dos cônjuges, exclusivamente, evidenciando que estes bens pela sua natureza não se comunicam com o acervo comum do casal.

A parcela majoritária da doutrina (Rodrigo da Cunha Pereira, Jorge Shiguemitsu Fujita, Mario Luiz Delgado, Euclides Oliveira, Zeno Veloso, Flávio Tartuce e José Fernando Simão, dentre outros) inclina-se ao entendimento que o cônjuge sobrevivente concorrerá à herança somente sobre os bens particulares deixados pelo falecido, justificando que havendo meação (bens comuns) esta já assegurará meios de sobrevivência ao cônjuge sobrevivo.

Ao contrário, a Professora Maria Helena Diniz entende que irá herdar tanto sobre os bens comuns quanto sobre os particulares, pois a lei não fez qualquer limitação, e para defender seu posicionamento apresenta as seguintes considerações:

  1. a herança é indivisível, deferindo-se como um todo unitário (art. 1.791). Assim, não há sentido em dividi-la apenas nas hipóteses em que o cônjuge concorre, na sucessão;
  2. se o cônjuge sobrevivente for ascendente dos demais herdeiros, terá a garantia de 1/4 da herança. Essa garantia é incompatível com sua quase-exclusão, na hipótese em que o falecido tiver deixado poucos bens;

iii. o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, e não há sentido em lhe garantir a legítima se ele não herdará, no futuro, esse patrimônio;

  1. em um regime de separação convencional, as partes podem firmar pacto antenupcial disciplinando a comunicação dos aquestos, e não obstante o cônjuge sobrevivente os herdará. Não há sentido em restringir tal direito apenas na comunhão parcial;
  2. meação e herança são institutos diversos. No falecimento, a meação do falecido passa a integrar seu patrimônio, não havendo razão para destacá-la para fins de herança.

Enquanto a Professora Maria Berenice Dias entende que não há concorrência em relação aos bens particulares. Explica essa renomada autora que o artigo 1829, inciso I, somente exclui da concorrência com os descendentes o cônjuge casado no regime de comunhão universal e separação obrigatória, em razão do posicionamento do ‘ponto-e-vírgula’, examinado minudentemente por ela em sua obra Manual das Sucessões.

Assim, segundo esta autora, haverá concorrência sobre os bens comuns, pois, se foram adquiridos com o esforço comum do casal (presunção) não há como afastá-los da sucessão do cônjuge. Por outro lado, uma vez que os bens particulares do falecido não foram adquiridos com o esforço comum, não devem entrar na sucessão – pois se o falecido não queria a comunicação dos bens particulares em vida, também não deveria querer na morte.

Também, fundamental para consideração deste tema é a aplicação da Súmula 377, editada pelo Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: “No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.” ,cuja ementa a seguir transcrita explica seu alcance e aplicabilidade, alimentando mais ainda as divergências. (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL Nº 208.640 – RIO GRANDE DO SUL – (8.373) EMENTA: Casamento. Separação obrigatória. Súmula n° 377 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes da Corte.

1 . Não violenta regra jurídica federal o julgado que admite a comunhão dos aqüestos, mesmo em regime de separação obrigatória, na linha de precedentes desta Turma.

2 . Recurso especial não conhecido.

Os exemplos procuram ilustrar e dar a dimensão exata da controvérsia estabelecida e por consequência da insegurança jurídica trazida para o seio da sociedade em assunto tão fundamental para quem se vai quanto para os que ficam, gerando uma nova ordem de conflitos. Afinal trata-se da transmissão da riqueza amealhada ao longo em uma vida, que dependendo da solução poderá desviar o curso da herança de seu tronco familiar originário, conforme se verá adiante.

E este mesmo desacordo da doutrina especializada quanto à interpretação do dispositivo que trata da sucessão (art. 1.829, inc. I, CC), na jurisprudência não é diferente. Conforme as ementas de julgados a seguir transcritas:

Inventário – Determinação para retificação do plano de partilha com a inclusão do cônjuge supérstite – Inconformismo dos herdeiros sob a alegação de que a agravada abandonou o hoje falecido após cinco meses de casados, embora este estivesse acometido de doença grave – Casamento sobre o regime da comunhão parcial – A doutrina diverge quanto à porção de que participará, em tal caso, o cônjuge sobrevivente, pois, diante da lacuna da lei, não é possível concluir se concorrerá o consorte sobre a totalidade da herança ou, apenas e tão somente, sobre os bens particulares – Agravo parcialmente provido (TJSP, 8ª. Câmara Dir. Privado, Agr. Instr. N. 516.781-4/5, Des. Ribeiro da silva, d.j. 27/09/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL – CÔNJUGE – HERDEIRO NECESSÁRIO – Art. 1.829, I, DO CC – RECURSO IMPROVIDO. A regra do artigo 1.829 do CC aplica-se ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional. (TJMS, 4as. Câm. T. Cível, Agr. Instr. 2007.00087-4, Des. Rêmolo Letteriello, d.j. 17/04/2007).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. DIREITO DE HERANÇA DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. ARTIGO 1.829, I DO CÓDIGO CIVIL. Considerando que a agravante recebeu herança por direito próprio, em razão do falecimento do seu pai no ano de 2004, correta a decisão que reconheceu o direito de herança da esposa do herdeiro falecido no curso do inventário, aplicando o artigo 1.829, inciso I do Código Civil. NEGADO SEGUIMENTO. EM MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70035654565, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/04/2010).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME DE BENS. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE BEM CLAUSULADO. REGIME DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. HERANÇA. CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS PARTICULARES DEIXADOS. No casamento realizado pelo regime da separação total de bens, com pacto antenupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabilidade não integra a meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide sobre o bem o torna bem particular, afastando-o da meação, admitindo-se, contudo, que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1.829 inc. I do Código Civil. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70021504923, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 11/12/2007) (grifo nosso).

Embora em brilhante decisão no Recurso Especial no. 992.749-MS (05/02/2010), de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça tenha fornecido um norte mais seguro e coerente quanto à interpretação a ser dada ao art. 1.829, inc. I, do CC, no sentido de que o cônjuge casado pelo regime da separação obrigatória (convencional e legal) não é herdeiro; todavia, não se pode esquecer que a decisão para a vida prática não é vinculante e se demora anos de conflito e desgaste para se alcançar aquele Tribunal em busca de uma solução segura, o que poderia colocar em risco o próprio patrimônio em discussão.

De outro lado, para piorar o cenário, é a constatação ainda hoje que nosso país não possui (ainda) a cultura da sucessão testamentária, o que poderia remediar em parte as inseguranças jurídicas trazidas pela ordem hereditária prevista no art. 1.829, inc. I, do Código Civil.

De relevante para a exposição é que nas soluções apresentadas, admitindo o cônjuge como herdeiro necessário, participando dos bens particulares do falecido mesmo no regime da separação de bens, é o risco de se desviar a herança do tronco familiar, quebrando a ordem baseada na relação consanguínea, eis que em casos práticos haverá a possibilidade de novo casamento e aglutinação dos bens vindos do primeiro casamento ao do segundo, do terceiro…

Na vida prática, do cidadão comum, o que se percebe a partir das interpretações acima, seja ela qual for, é uma perigosa armadilha para o titular que tenha amealhado algum patrimônio, e que resolva deixá-lo a mercê da sucessão legítima para depois de sua morte. A solução jurídica adotada para após a sua morte pode não ser a intimamente desejada por ele em vida, causando uma grave e eterna injustiça.

Pode existir aquele que se casa no regime da separação convencional para contentar a família já constituída, acreditando que após sua morte o cônjuge sobrevivo herdará em concorrência com seus descendentes imaginando-se a aplicação da Súmula 377, do STF, e da interpretação dada conforme o Agr. Instr. 2007.00087-4 (TJMS). E aquele outro que se casa neste mesmo regime para assegurar a transmissão direta aos herdeiros consanguíneos, não desejando aquinhoar o cônjuge sobrevivente.

Inclusive a questão é tão grave que houve nestes anos a alteração da posição da questão no STJ.  Do ponto de absoluta lucidez técnica pelo voto da Ministra Nancy Andrighi (2010), conforme acima citado, para o voto do Ministro Vilas Boas Cueva (2014), o qual adotou posição que ignora completamente a vontade daqueles que empreenderam durante anos para a construção de seu patrimônio. Vide abaixo:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO E PARTILHA. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO CONVENCIONAL. PACTO ANTENUPCIAL POR ESCRITURA PÚBLICA. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. CONCORRÊNCIA NA SUCESSÃO HEREDITÁRIA COM DESCENDENTES. CONDIÇÃO DE HERDEIRO. RECONHECIMENTO. EXEGESE DO ART. 1.829, I, DO CC/02. AVANÇO NO CAMPO SUCESSÓRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL.

  1. O art. 1.829, I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob a égide do regime de separação convencional a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a garantir-lhe o mínimo necessário para uma sobrevivência digna.
  2. O intuito de plena comunhão de vida entre os cônjuges (art. 1.511 do Código Civil) conduziu o legislador a incluir o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários (art. 1.845), o que reflete irrefutável avanço do Código Civil de 2002 no campo sucessório, à luz do princípio da vedação ao retrocesso social.
  3. O pacto antenupcial celebrado no regime de separação convencional somente dispõe acerca da incomunicabilidade de bens e o seu modo de administração no curso do casamento, não produzindo efeitos após a morte por inexistir no ordenamento pátrio previsão de ultratividade do regime patrimonial apta a emprestar eficácia póstuma ao regime matrimonial.
  4. O fato gerador no direito sucessório é a morte de um dos cônjuges e não, como cediço no direito de família, a vida em comum. As situações, porquanto distintas, não comportam tratamento homogêneo, à luz do princípio da especificidade, motivo pelo qual a intransmissibilidade patrimonial não se perpetua post mortem.
  5. O concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque o referido regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no art. 1.829, I, do Código Civil.
  6. O regime da separação convencional de bens escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade (por meio do pacto antenupcial), não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (art. 1.641 do Código Civil), e no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente.
  7. Aplicação da máxima de hermenêutica de que não pode o intérprete restringir onde a lei não excepcionou, sob pena de violação do dogma da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal de 1988).
  8. O novo Código Civil, ao ampliar os direitos do cônjuge sobrevivente, assegurou ao casado pela comunhão parcial cota na herança dos bens particulares, ainda que os únicos deixados pelo falecido, direito que pelas mesmas razões deve ser conferido ao casado pela separação convencional, cujo patrimônio é, inexoravelmente, composto somente por acervo particular.
  9. Recurso especial não provido. (REsp 1472945/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 19/11/2014)

Por esta derradeira posição, voltou a ser possível o extravio da herança para núcleos familiares distintos, na hipótese de casamentos sucessivos, se nada for feito para evitá-lo. Além de carregar à sociedade questão conflituosa, pois é sabido que este efeito relativo ao casamento por separação convencional de bens – na prática – é completamente desconhecido do cidadão comum.

Outras situações indesejadas para o titular da herança podem ser criadas. Por exemplo, sabendo-se que no regime da comunhão parcial de bens, a herança recebida um dos cônjuges não se comunica, portanto, sendo bem particular, conforme prevê o art. 1.659, do Código Civil, na hipótese de falecimento daquele que recebeu a herança (bem particular que não se comunica em vida), passará o cônjuge sobrevivente a ter direito sobre esta (vide acima Agravo de Instrumento Nº 70035654565 TJRS), num exemplo que demonstra o total de descompasso entre as regras patrimoniais do casamento com as da sucessão, as quais deveriam caminhar totalmente harmônicas em atendimento à autonomia da vontade dos cônjuges.

Embora ainda a caminho a alteração da parte sucessória, fins de corrigir a redação do art. 1.829, inc. I, do Código Civil, visivelmente confusa, evitando-se toda sorte de interpretações e com estas as injustiças, resta evidente a necessidade do maior interessado tomar ciência da existência das divergências apontadas acerca da questão sucessória, e ele mesmo em vida, e sob seu pleno controle, dar o curso que deseja aos seus bens para depois de sua morte, da forma que entender mais conveniente, contando com instrumentos eficazes e o respaldo da lei para garantir que prevaleça a sua última vontade.

Bibliografia Consultada:

DANELUZZI, Maria Helena Marques. Aspectos polêmicos na sucessão do cônjuge sobrevivente – de acordo com a Lei 10.406/2002, 1ª. Ed., São Paulo: Editora Letras Jurídicas, 2004

DIAS, Maria Berenice. Manual das sucessões. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo: 2008

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 20ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. AMORIM, Sebastião Luiz de. Inventários e partilhas direito das sucessões teoria e prática. 21ª. ed rev e atual. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2008

PARADA, Deise Maria Galvão. Regime de bens entre cônjuges. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

PELUSO, (coord.) Ministro Cezar. Código civil anotado, doutrina e jurisprudência. Barueri: Editora Manole, 2007

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, JOSÉ FERNANDO. Direito das sucessões, v.6, 5ª. ed. Editora Método, São Paulo: 2012

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